Hoje continuarei falando sobre a criação de sistemas de apoio à decisão e o uso de variáveis climáticas. Mais especificamente, falarei sobre um projeto de pesquisa, orientado por mim e pela professora Mariana Silva Ferreira, e desenvolvido pelo egresso no Mestrado em Ciências do Meio Ambiente na Universidade Veiga de Almeida, Luciano da Cunha. O projeto consistiu na criação de uma aplicação de Business Intelligence (BI) para identificar relações entre variáveis climáticas e as dinâmicas populacionais de pequenos mamíferos.
O termo BI é definido como um conjunto de métodos que pretendem melhorar o processo de tomada de decisão de negócio, transformando os dados em conhecimento, possibilitando o acesso rápido, partilhado e interativo das informações, bem como a sua análise e manipulação, permitindo transformar grandes quantidades de informação em conhecimento útil com o objetivo de descobrir relações e tendências. Ressalta-se que, apesar da inserção da palavra “negócios” no termo, BI não se aplica apenas a aplicações de mercado, uma vez que seu foco principal envolve o apoio à tomada de decisão. A previsão de fenômenos ecológicos como, por exemplo, a dinâmica das populações de espécies animais e suas interações com o clima, é uma oportunidade para investigar o impacto que as mudanças climáticas exercem na biodiversidade atual e futura, e advertir sobre os riscos para a conservação das espécies.
Em nosso trabalho, a estratégia utilizada foi desenvolver um Data Warehouse (DW), onde foram armazenados os dados de 22 anos de estudo de monitoramento populacional, realizado pelo Laboratório de Vertebrados da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em área de Mata Atlântica, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no estado do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que esses dados estavam espalhados em mais de uma dezena de planilhas, preenchidas por diferentes pesquisadores, o que gerava algumas incompatibilidades/inconsistências, tratadas em nosso trabalho, e dificultava a realização de análises. Além dos dados das espécies de pequenos mamíferos silvestres registrados pelo Laboratório, foram incluídos nesse DW dados referentes ao clima coletados pela estação meteorológica de Teresópolis, no mesmo período do estudo de monitoramento, e índices relacionados aos fenômenos El Niño/La Niña. A ideia foi construir um armazém que integrava todos esses dados, de forma a permitir identificar relações entre os fenômenos El Niño/La Niña, as variáveis meteorológicas (níveis de temperatura e precipitação na região, especialmente) e as dinâmicas populacionais dos animais.
Armazéns de dados já são conhecidos e utilizados em ambientes corporativos, embora pouco explorados no meio científico. Seu foco concentra-se no apoio à tomada de decisão e sua aplicação visa à realização de análises mais profundas, através do desenvolvimento de tecnologias de consulta e extração automática de conhecimento a partir dos dados. Nesse sentido, foram criados dashboards, que possibilitaram a análise multidimensional das populações de pequenos mamíferos e o seu relacionamento com os dados climáticos. O objetivo dos dashboards consiste em reduzir a complexidade de compreensão das informações, e extrair e resumir de forma eficiente as informações-chave de grandes volumes de dados, apoiando a realização de consultas, simulações e a descoberta de padrões de comportamento.
Os dashboards permitiram constatar que em períodos de maior intensidade do El Niño a temperatura média na região aumenta entre 1 e 1,5 oC, enquanto há uma redução de aproximadamente 1 oC em períodos de La Niña. Também foram observados aumentos nos níveis de chuvas, em especial quando há a ocorrência do fenômeno La Niña. Com relação às espécies, foram avaliados padrões na dinâmica populacional da espécie denominada Marmosops incanus (conhecido como Cuíca-Cinza), constatando-se um aumento no tamanho populacional em um período imediatamente posterior ao fim da ocorrência do fenômeno La Niña.
Dashboard apresentando a relação entre o fenômeno La Niña e a dinâmica populacional da espécie de Cuíca-Cinza.
Ressalta-se que inúmeros outros estudos podem ser desenvolvidos em futuros trabalhos, como a análise de outras medidas armazenadas no DW (por exemplo, evolução do peso e do tamanho das populações dos animais), além da realização de testes estatísticos para demonstrar matematicamente os padrões observados a partir dos dashboards. Os resultados aqui apresentados apenas demonstram o potencial em relação à descoberta de conhecimento viabilizada pela ferramenta desenvolvida.
A solução foi disponibilizada de forma aberta na Web e pode ser utilizada pelos pesquisadores. Além disso, os detalhes dos resultados do trabalho foram publicados no início de 2023 na revista Ecological Informatics (“The effect of long-term climatic variability on wild mammal populations in a tropical forest hotspot: A business intelligence framework”).
Enfim, podemos constatar o grande potencial das ferramentas de BI para a análise de questões ambientais. Em meu próximo artigo continuarei falando sobre sistemas de apoio à decisão relacionados ao meio ambiente. Falaremos sobre a questão dos atropelamentos de fauna em estradas. Até lá!!

Anderson Namen é cofundador e cientista de dados da Digital Innovation Consulting Group, empresa focada em ajudar outras empresas a habilitar o digital como um importante impulsionador de negócios em vários setores da economia. Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, possui experiência de mais de 30 anos, tendo liderado projetos inovadores em diferentes organizações. Seu foco se concentra primordialmente em projetos englobando ciência de dados e sistemas de suporte à decisão. Atua também como professor de graduação e programas de pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Veiga de Almeida.
Desenvolve há mais de 10 anos projetos ligados ao meio ambiente, envolvendo a análise da biodiversidade e suas relações com o clima, além da gestão e monitoramento de fauna. Na área de gestão de resíduos sólidos, teve projeto de rastreabilidade de resíduos perigosos selecionado entre os 3 melhores projetos ligados ao meio ambiente, sendo premiado no RFID Journal Green Awards, evento patrocinado pelo mais conhecido jornal focado em tecnologia RFID no mundo. Atualmente coordena projeto de aplicação de Inteligência Artificial para gestão de resíduos orgânicos, patrocinado pela Faperj, que envolve 8 diferentes organizações públicas e privadas, entre elas Embrapa, UFF, UERJ e Universidade Veiga de Almeida.
Liderou diversos projetos na área de educação, utilizando dados do INEP/MEC para previsão de resultados relacionados ao processo ensino-aprendizagem de estudantes do ensino básico. Também atou no planejamento e elaboração de currículos para o ensino superior e na criação de sistemas de apoio à decisão focados na experiência do aluno. Ainda na área de educação, liderou equipe transdisciplinar para criação de recursos de on-line focados nos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes, sendo agraciado com premiação pelo desenvolvimento de melhor disciplina on-line entre 15 diferentes instituições de ensino superior na América Latina.
Atuou durante 25 anos como diretor da empresa E3A Educação e Assessoria, tendo desenvolvido projetos de consultoria para empresas como Furnas Centrais Elétricas, Fundação Getúlio Vargas e Universidade Veiga de Almeida. Anteriormente, trabalhou nas empresas Mesbla Lojas de Departamentos e IBM Brasil, sendo reconhecido nessa última com 3 prêmios de contribuição significativa ao negócio.