Em meu último artigo postado no linkedin levantei algumas preocupações sobre a formação dos profissionais de computação. Entre elas, alguns gaps na avaliação das perspectivas organizacional e humana, além da técnica (muitas vezes a única que é considerada), ao se planejar a implantação de mudanças provenientes da inserção de novas soluções tecnológicas nas organizações.
Em meu penúltimo artigo, por sua vez, apresentei os resultados iniciais obtidos na otimização das rotas para coleta de resíduos orgânicos para posterior compostagem. Indiquei que ainda havia um trabalho restante a ser desenvolvido, que consistia em finalizar um aplicativo móvel que apresentasse essas rotas otimizadas ao usuário, uma vez que o processo atual ainda demanda o envio das rotas otimizadas à empresa de coleta de forma semiautomática, sem a existência de uma aplicação integrada.
Pegando o gancho desses 2 últimos artigos, hoje vou ilustrar a importância de se pensar em soluções com um olhar não apenas na tecnologia, mas também em outras questões, ou seja, sem se aplicar um olhar puramente tecnicista. E o exemplo ilustrativo se relaciona ao desenho do aplicativo móvel mencionado anteriormente.
A ideia do app a ser desenvolvido é que os condutores dos veículos da empresa que faz a coleta de resíduos nos geradores possam acessar a aplicação no celular para acessar e seguir as rotas otimizadas. Cabe lembrar que as rotas devem ser atualizadas periodicamente, uma vez que há alterações na base dos clientes da empresa, com a entrada ou saída de geradores de resíduos, ou mesmo alterações em seus endereços. Uma vez havendo alterações, o modelo de otimização de rotas deve ser executado novamente com os dados atualizados.
Se fôssemos pensar em uma abordagem puramente tecnicista, uma solução ideal seria deixar uma opção disponível no app, onde a empresa coletora poderia fazer uma requisição para a geração de novas rotas, a qualquer momento que quisesse (mais provavelmente a partir de qualquer alteração em sua base de dados). Essa solução, a princípio, traria total flexibilidade à empresa, deixando para ela a decisão de solicitação de atualização de suas rotas.
Mas seria mesmo essa a melhor solução? Pensemos de modo mais amplo na perspectiva da organização (no caso, a empresa coletora) que usará o aplicativo. A empresa coletora faz as coletas nos clientes semanalmente. Além disso, dentro da realidade do negócio analisado, todo novo cliente que deseja que seus resíduos sejam recolhidos, após a assinatura do contrato, está ciente que a coleta não será iniciada no dia seguinte. A empresa coletora ainda irá preparar e entregar ao cliente um recipiente, local onde ele deverá descartar os seus resíduos. Além disso, será enviado um material com orientação para a separação e descarte desses resíduos e será realizada uma pequena reunião presencial, visando o esclarecimento de quaisquer dúvidas relacionadas à separação do material orgânico. Essas ações duram ao menos uma semana. Em outras palavras, o que acontece na prática é que ao assinar um contrato e entrar na base de clientes, a coleta passa a ser realizada somente na semana seguinte à entrada nessa base. E isso não é nenhum problema! Esse tempo de uma semana acaba sendo positivo: para que as pessoas da residência possam entender melhor como separar os resíduos orgânicos, para que eventuais empregados sejam orientados, enfim, para que as pessoas que descartam resíduos dentro da residência se preparem para essa nova forma de gerir os seus resíduos.
Outro fato importante é que o modelo computacional que executa o processo de otimização de rotas, demanda um uso razoável de recursos computacionais na nuvem. Se esse modelo executar a todo o momento (lembremo-nos que a sugestão inicial era buscar a máxima flexibilidade!), a partir do pedido do usuário do aplicativo, a demanda por recursos da nuvem pode acabar se tornando muito cara.
Considerando esses cenários, chegou-se à conclusão de que, ao invés de deixar que a empresa coletora, por conta própria, definisse os momentos para a atualização de rotas, melhor seria criar um processo automático para executar o modelo de otimização, a partir do acesso à base de dados atualizada, uma vez por semana, antes do início das atividades semanais da empresa. Essa solução que, a princípio, pode parecer não tão flexível, além de atender perfeitamente às demandas do negócio, de acordo com as características dos processos envolvidos, implicaria na redução dos custos associados à utilização de recursos da nuvem. A empresa coletora poderia, no início de cada semana, planejar as suas rotas (atualizadas!) e atender perfeitamente os seus clientes no processo de coleta de resíduos. E haveria um tempo para que os novos clientes se adaptassem à nova forma de descartar os seus resíduos. Enfim, não basta um olhar que pense estritamente no uso da tecnologia para a busca da solução, mas sim uma visão integrada com os processos de negócio envolvidos e com o modo como as pessoas interagirão com a ferramenta no seu dia a dia. Ou seja, uma visão que considere também a perspectiva organizacional e a perspectiva humana ao se definir a solução a ser implantada.
Enfim, estamos trabalhando nessa solução nesse momento. Espero trazer novidades em breve!

Anderson Namen é cofundador e cientista de dados da Digital Innovation Consulting Group, empresa focada em ajudar outras empresas a habilitar o digital como um importante impulsionador de negócios em vários setores da economia. Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, possui experiência de mais de 30 anos, tendo liderado projetos inovadores em diferentes organizações. Seu foco se concentra primordialmente em projetos englobando ciência de dados e sistemas de suporte à decisão. Atua também como professor de graduação e programas de pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Veiga de Almeida.
Desenvolve há mais de 10 anos projetos ligados ao meio ambiente, envolvendo a análise da biodiversidade e suas relações com o clima, além da gestão e monitoramento de fauna. Na área de gestão de resíduos sólidos, teve projeto de rastreabilidade de resíduos perigosos selecionado entre os 3 melhores projetos ligados ao meio ambiente, sendo premiado no RFID Journal Green Awards, evento patrocinado pelo mais conhecido jornal focado em tecnologia RFID no mundo. Atualmente coordena projeto de aplicação de Inteligência Artificial para gestão de resíduos orgânicos, patrocinado pela Faperj, que envolve 8 diferentes organizações públicas e privadas, entre elas Embrapa, UFF, UERJ e Universidade Veiga de Almeida.
Liderou diversos projetos na área de educação, utilizando dados do INEP/MEC para previsão de resultados relacionados ao processo ensino-aprendizagem de estudantes do ensino básico. Também atou no planejamento e elaboração de currículos para o ensino superior e na criação de sistemas de apoio à decisão focados na experiência do aluno. Ainda na área de educação, liderou equipe transdisciplinar para criação de recursos de on-line focados nos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes, sendo agraciado com premiação pelo desenvolvimento de melhor disciplina on-line entre 15 diferentes instituições de ensino superior na América Latina.
Atuou durante 25 anos como diretor da empresa E3A Educação e Assessoria, tendo desenvolvido projetos de consultoria para empresas como Furnas Centrais Elétricas, Fundação Getúlio Vargas e Universidade Veiga de Almeida. Anteriormente, trabalhou nas empresas Mesbla Lojas de Departamentos e IBM Brasil, sendo reconhecido nessa última com 3 prêmios de contribuição significativa ao negócio.