Muito se tem falado sobre as evoluções da Inteligência Artificial (IA), especialmente os novos artefatos desenvolvidos a partir da IA generativa, como o ChatGPT ou o Bard. Como atuo há algumas décadas com sistemas de informação e bancos de dados, me envolvendo nos últimos anos com a área de ciência de dados, vou realizar um exercício envolvendo algumas atividades ligadas a profissionais neste segmento.
Não sou futurólogo e estou muito longe de pensar em ser, mas acho que vale a pena refletir sobre alguns cenários futuros. Isso vale para qualquer profissional que trabalha na área de Tecnologia de Informação. Certamente pode ajudar em sua preparação para o futuro, reduzindo os riscos de substituição por tecnologias artificiais que possam realizar o seu trabalho e possibilitando uma melhor adequação às novas oportunidades abertas no mercado de trabalho.
Há alguns dias, em conversa com meus alunos de graduação em Engenharia de Computação, comecei a fazer algumas reflexões sobre a atividade de modelagem de dados. A modelagem conceitual de dados consiste em representar, através de um modelo abstrato, denominado Modelo Entidade Relacionamento, uma parte do mundo real (chamada de “minimundo”). Esse minimundo se refere ao problema que se quer modelar, visando à construção posterior de um banco de dados. Fazendo um paralelo com o trabalho de um arquiteto, o modelo de dados é como se fosse uma “planta” dos dados. Se um arquiteto faz um projeto de uma casa, este certamente deverá entender as demandas dos futuros moradores para elaboração dessa planta. Ação semelhante deve ser realizada por quem faz a modelagem conceitual dos dados. Ressalta-se que tanto a planta quanto o modelo conceitual de dados são representações diagramáticas, com notações pré-definidas, que facilitam a comunicação e o entendimento dos minimundos que estão sendo representados.
E onde entraria a IA nesse processo? Minha reflexão se concentrou em um minimundo relacionado a um sistema de gestão acadêmica em uma universidade. Imagine que estamos pensando em utilizar a IA para apoiar a modelagem conceitual de dados desse minimundo. Seria possível, hoje, que a IA criasse sozinha todo o modelo conceitual de dados de uma universidade? Acredito que não, uma vez que alguém (no caso, um ser humano) teria que explicar (escrevendo, por exemplo, para uma tecnologia como o ChatGPT) todas as entidades, todos os processos envolvidos na gestão acadêmica, todas as restrições do problema e, evidentemente, as relações entre as entidades levantadas, a partir dessas informações. E escrever tudo isso também pode gerar uma série de problemas de interpretação pela própria IA, uma vez que a escrita humana é um processo que pode gerar dúvidas e/ou interpretações equivocadas. Isso poderia implicar na criação de um modelo falho. Essa inclusive é a justificativa para a criação de modelos conceituais de dados por intermédio de representações gráficas, pois estas contêm notações claras e bem definidas. Essa abordagem elimina os problemas de interpretação que uma descrição textual pode gerar.
Apesar de não realizar a criação do modelo conceitual sozinha, hoje a IA já pode ajudar um profissional nesse processo. Por exemplo, poderia se pedir para uma ferramenta como o ChatGPT algo do tipo: “Por favor, me liste modelos conceituais de dados de sistemas acadêmicos desenvolvidos para diferentes universidades”. A partir dos modelos apresentados pela ferramenta, o modelador de dados poderia analisar e comparar as soluções e adaptá-las às características particulares do sistema acadêmico de sua universidade.
Vamos agora fazer um exercício de imaginação, pensando em um futuro não muito distante, em que todas as atividades acadêmicas de uma universidade (matrícula de alunos, cadastro de grades curriculares de cursos, definição de disciplinas, alocação de professores nas turmas, inscrição de alunos nas turmas, lançamento de resultados de avaliação, e as próprias aulas) fossem feitas no metaverso, ou seja, tudo fosse realizado em um ambiente virtual. Nesse caso, todos os dados deste ambiente poderiam ser coletados e ficaria muito fácil para uma IA, sozinha, elaborar o modelo conceitual de dados referente ao problema em questão. É simples, nesse cenário todo minimundo que se quer modelar estará localizado dentro do próprio metaverso! Indo mais além, considerando o uso amplificado do metaverso, essa inteligência teria conhecimento de diversos minimundos que representariam inúmeras universidades com seus diferentes sistemas de gestão acadêmica. Uma inteligência ampla e profunda!
Refletindo sobre esse possível panorama futuro, visualizamos a IA realizando uma atividade considerada, atualmente, de alto valor agregado. Atividade que hoje demanda a alocação de profissionais qualificados, que devem interagir com diferentes atores, entender diferentes domínios de problemas, e organizar e combinar, a partir de diferentes elementos, para criar modelos abstratos representativos. Profissionais com essas competências e habilidades deverão estar atentos para a busca de novos caminhos no futuro, imaginando uma eventual execução de seu trabalho pela IA. É possível que não visualizemos, hoje, esse tipo de situação para atividades que envolvam alto nível de complexidade e, por isso, grande conhecimento agregado. No entanto, imaginando que, cada dia, mais e mais dados passarão a ser coletados em novos ambientes, como o metaverso, é importante estarmos atentos para a busca de novos caminhos profissionais, de modo que não nos tornemos irrelevantes no futuro.
Espero ter contribuído para amplificar a sua reflexão. Até breve!

Anderson Namen é cofundador e cientista de dados da Digital Innovation Consulting Group, empresa focada em ajudar outras empresas a habilitar o digital como um importante impulsionador de negócios em vários setores da economia. Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, possui experiência de mais de 30 anos, tendo liderado projetos inovadores em diferentes organizações. Seu foco se concentra primordialmente em projetos englobando ciência de dados e sistemas de suporte à decisão. Atua também como professor de graduação e programas de pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Veiga de Almeida.
Desenvolve há mais de 10 anos projetos ligados ao meio ambiente, envolvendo a análise da biodiversidade e suas relações com o clima, além da gestão e monitoramento de fauna. Na área de gestão de resíduos sólidos, teve projeto de rastreabilidade de resíduos perigosos selecionado entre os 3 melhores projetos ligados ao meio ambiente, sendo premiado no RFID Journal Green Awards, evento patrocinado pelo mais conhecido jornal focado em tecnologia RFID no mundo. Atualmente coordena projeto de aplicação de Inteligência Artificial para gestão de resíduos orgânicos, patrocinado pela Faperj, que envolve 8 diferentes organizações públicas e privadas, entre elas Embrapa, UFF, UERJ e Universidade Veiga de Almeida.
Liderou diversos projetos na área de educação, utilizando dados do INEP/MEC para previsão de resultados relacionados ao processo ensino-aprendizagem de estudantes do ensino básico. Também atou no planejamento e elaboração de currículos para o ensino superior e na criação de sistemas de apoio à decisão focados na experiência do aluno. Ainda na área de educação, liderou equipe transdisciplinar para criação de recursos de on-line focados nos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes, sendo agraciado com premiação pelo desenvolvimento de melhor disciplina on-line entre 15 diferentes instituições de ensino superior na América Latina.
Atuou durante 25 anos como diretor da empresa E3A Educação e Assessoria, tendo desenvolvido projetos de consultoria para empresas como Furnas Centrais Elétricas, Fundação Getúlio Vargas e Universidade Veiga de Almeida. Anteriormente, trabalhou nas empresas Mesbla Lojas de Departamentos e IBM Brasil, sendo reconhecido nessa última com 3 prêmios de contribuição significativa ao negócio.